cinema de michel gondry

Sincronía Winter 2011


A fragilidade dos relacionamentos no cinema de Michel Gondry: Algumas notas sobre Eternal sunshine of the spotless mind

 

Carolina Muller Machado

Nathalia Barros Lepsch

Rafael de Vasconcelos

Jorge Lucio de Campos

 

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)


 

 

“As sociedades contemporâneas tendem a tornar os

seres humanos supérfluos como seres humanos”.

 

Hannah Arendt

 

1

 

            Um número cada vez mais significativo de filmes nos têm proporcionado a chance de refletirmos sobre nossas atuais condições de vida, crescentemente marcadas pelo imediatismo das ações compulsivas, pela efemeridade generalizada das relações humanas, por uma intervenção invasiva dos meios de comunicação em nossa intimidade e por uma necessidade cotidiana ─ “docemente” imposta pelo código ─ de, a todo custo, produzirmos e crescermos, antes individual que coletivamente. Alguns deles exploram facetas muito sutis da contemporaneidade, de modo a instigar que busquemos, para suas mensagens, leituras divergentes das propostas pelo mainstream, sendo que a linguagem que utilizam já não é aquela com a qual, por décadas seguidas, nos acostumamos, a priori comprometida com um desenvolvimento padronizado e linear, e uma resolução necessariamente bem resolvida.

            Considerando a ocorrência, nos anos setenta e oitenta, de uma suposta “virada” pós-moderna, Jean-François Lyotard (1924-98) sustentou em seu La condition postmoderne (1979), ter sido um de seus traços marcantes a desconstrução da função narrativa, que perdeu seus “grandes heróis, grandes perigos, grandes périplos e o grande objetivo”, diante da constatação de que a fonte de todas as fontes passou a ser a informação e não mais a ciência-em-nome-dela-mesma – vista agora apenas como um novo “modo de estocar, organizar e distribuir informações (...), um conjunto de mensagens possível de ser traduzido em quantidades (bits) de informação”. Assim aquela função − até então, legitimadora da própria prática epistêmica − perdeu importância, dispersando-se numa “nuvens de elementos linguísticos narrativos, prescritivos, descritivos, etc., cada qual veiculando consigo validades pragmáticas sui generis”.

            Lyotard sustentou ainda que as relações sociais poderiam ser explicadas pela teoria dos jogos de linguagem trabalhada, num primeiro momento, pelo filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) que, em suas Philosophische Untersuchungen (“Investigações filosóficas”) − publicada, postumamente, em 1953 − assim designava diversos tipos de enunciados (descritivos, denotativos, prescritivos, etc.), por sua vez, determinados por regras especificadoras de suas propriedades de uso, a fim de viabilizar a interação entre emissores e destinatários.

            Tais regras se tornariam válidas dentro de espaços de atuação definidos pelos próprios interlocutores, passando os jogos a servirem como alternativas locais às metanarrativas universalizantes, sendo que, em alguns destes, elas seriam estabelecidas mais livremente como, por exemplo, no cinema, o que explicaria, ao menos em parte, o fato de determinados filmes estarem assumindo, mesmo que veladamente, uma série de questionamentos acerca do establishment.

            Não se deve também esquecer o quanto o cinema é um canal ágil e abrangente que atenderia às necessidades pós-modernas de rapidez e imediatismo, mesmo quando se proponha a criticá-las. Isso torna uma boa parte de suas produções vendável e lucrativa para as companhias que as financiam – em geral, independentes e detentoras de um orçamento acanhado para circuitos não prioritariamente comerciais. Entretanto, nos últimos anos, grandes companhias cinematográficas têm aberto espaço estes, o que talvez se deva à percepção da existência de um mercado em expansão – pequeno, porém lucrativo − formado por pessoas que, no mínimo, discordam com o que está acontecendo à sua volta e buscam, de algum modo, pensar e agir a respeito.

            Porém, a liberdade nas regras de linguagem daqueles filmes acaba, por vezes, entrando em conflito com um público mais acostumado aos blockbusters. Uma vez que exigem uma maior participação do espectador para serem assimilados, amiúde as regras da narrativa não são tão claramente fixadas, e a sensação de se estar diante de filme “sem pé nem cabeça” contribui para afastar aqueles que, se sentindo mal por não conseguir “entendê-lo”.

            Desse modo, filmes de questionamento – como os dirigidos por Michel Gondry, entre outros − acabam se tornando vendáveis (e, portanto, viáveis em termos de produção) apenas quando atendem requisitos básicos do cinema hollywoodiano como ter em seu elenco atores famosos (ou em evidência), ser falado em inglês – caso de Abre los ojos (1997), do chileno Alejandro Almenábar, tornado mais palatável para grandes audiências na versão estadunidense Vanilla sky (2001), de Cameron Crowe – ou se valer de estratégias que embora intelectualmente estimulantes, também sirvam para a fruição pura e simples.

 

 

2

 

            Possuidor de um estilo inconfundível – que se utiliza, fartamente, de planos-sequências, truques direto na câmera (sem efeitos especiais) com uma ousada criatividade – Gondry (n. 1963) iniciou sua carreira dirigindo videoclipes nos quais tratava o ritmo e a sonoridade musicais como referências diretas para a composição visual, ao mesmo tempo em que se utilizava de cores e elementos lúdicos para atrair a atenção do público.

            Suas imagens, por vezes enigmáticas, questionam a própria percepção da realidade, buscando fazer com que os efeitos especiais aconteçam sempre diante das câmeras e usando o mínimo possível de recursos digitais na pós-produção. Os planos revertidos, as projeções e sobreposições, a quebra da narrativa e as repetições são também características fortes de seu trabalho.

            Após estrear no cinema com Human nature (2001), Gondry dirigiu Eternal sunshine of the spotless mind (2004), La science des rêves (2005) e Be kind, rewind (2008), filmes que, até certo ponto, funcionaram como válvulas de escape pessoal – caso, particularmente, de Eternal sunshine..., até agora o mais bem sucedido de todos e que, como ele próprio admitiu, lhe forneceu subsídios valiosos para lidar com seus problemas pessoais. As questões dos relacionamentos, da necessidade de inserção na sociedade de consumo e da sensação de efemeridade da vida são também recorrentes neste último, que inova na maneira como conta sua história, dando pistas para que o espectador possa entendê-la, ao mesmo tempo que o convida a se posicionar em relação a ela.

 

Cartaz de Eternal sunshine in spotless mind (2004).

 

 

3

 

            A trama de Eternal sunshine... se inicia com Joel Barish (o personagem de Jim Carey), em pleno dia dos namorados. As primeiras cenas fornecem algumas pistas que serão mais bem explicadas no final do filme. Uma delas ocorre quando, ao encontrar o seu carro amassado – e pressupondo que o carro estacionado ao lado foi responsável pelo estrago − apenas escreve a palavra “obrigado!” num pedaço de papel que deixa em seu para-brisa.

            Chateado, Joel decide, meio que abruptamente, ir para Montauk, uma praia que, em fevereiro, fica quase congelada. Arrependido, pensa sobre si mesmo e sobre a data, que classifica como mais uma invenção capitalista para fazer as pessoas se sentirem lixo. Apesar disso, parece se sentir mal por estar sozinho. Ao avistar uma moça na praia, igualmente sozinha, ele se martiriza por não conseguir não fazer nem mesmo um contato visual com ela. Então, se senta e começa a fazer desenhos num caderno que se revelará depois ser de anotações e desenhos no qual tenta expressa seus sentimentos.

            Nesta primeira sequência, o espectador consegue ter uma boa ideia do perfil psicológico de Joel, um homem pacífico e um tanto passivo, dado a poucos atos impulsivos e possuidor de uma vontade clara de se sentir incluído na sociedade, mesmo sabendo das motivações eminentemente consumistas que a movem. Quando recorre por telefone, em sua solidão na praia, às suas ex-namoradas demonstra ter medo em relação à vida, preferindo a segurança a qualquer risco.

            Esse medo é um característica marcante da sociedade atual, que se recolhe, cada vez mais, em pequenos apartamentos, casas muradas e condomínios fechados para não ter que interagir com alguém de carne e osso. Diante da preferência pela “socialização” artificial oferecida pelos shoppings, nos fins de semana, ou por aquela, mais “segura” e cômoda, viabilizada, no dia a dia, pelo ciberespaço, há quem diga – caso do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (n. 1925) – que os relacionamentos virtuais alcançaram um nível tal de abrangência e indeterminação que não se pode, de forma alguma, considerá-los, inofensivos.

            Após encontrar a moça, outras vezes, em Montauk, eles, enfim, se conhecem. É Clementine Kruczynski (personagem de Kate Winslet) quem toma a iniciativa de conversar com Joel no trem quando voltam para casa. Ambos interagem, embora ele tente apenas “ser legal” e ela fale sem parar. Se, por um lado, ele não sabe como se comportar, pelo outro, ela bem sabe como gostaria que ele se comportasse.

 

Fotograma de Eternal sunshine...

 

            Na chegada à estação, Joel oferece uma carona a Clementine e acaba indo até a casa dela, um tanto bagunçada e entulhada de objetos incomuns. Enquanto dialogam, ele diz sua vida pouco interessante. Ela pergunta se ele não se sente ansioso com isso, a exemplo dela, que não sabe se está aproveitando cada minuto do seu curto tempo de vida como deveria e ele responde afirmativamente. Ela começa a fazer planos e ele, sentindo-se um pouco pressionado, decide ir embora. Na saída, ela pede que ligue quando chegar e lhe deseje um feliz dia dos namorados.

 

 

 

 

4

 

            A partir daí, a personalidade de Clementine é apresentada, mais detalhadamente, ao espectador. Com cabelos azuis e usando um casaco laranja, a casa desordenada e com bonecos de batata sobre a cômoda, ela uma pessoa um tanto exótica, ansiosa, impulsiva e expansiva. Mais adiante, será possível concluir, olhando os desenhos contidos no caderno de Joel, que ela é como que uma imagem do interior deste.

            Neste trecho do filme, Gondry enfatiza a indecisão como um traço psicológico característico dos dois personagens. Na supracitada cena do trem, Clementine reclama por ser chamada de “legal” por Joel, e por ele admitir que está tentando ser legal com ela. Pergunta se ele não conhece nenhum outro adjetivo, alegando que não quer ser legal com ninguém nem que ninguém seja legal com ela. Logo se arrepende do modo como falou e diz que não sabe o que vai quere, mais à frente, da vida, mas que, naquele momento, ela quer, sim, que ele seja legal com ela.

            Gondry oferece aqui uma boa amostra da sua expertise em termos de linguagem cinematográfica. Como foi dito antes, duas de suas marcas registradas − também presente nos clipes que dirigiu – são a ênfase na composição visual e a quebra na narrativa. Na sequência da visita ao rio Charles, então congelado, Joel é abordado por um garoto, que embora não conheça, lhe oferece ajuda. Recusada a ajuda, este vai embora, a cena escurece e retorna com a imagem de Joel, na mesma posição, chorando.

            Passados uns vinte minutos, os créditos do filme, começam a ser exibidos. Joel dirige, chega em casa, percebe que está sendo seguido por uma van e conversa com um vizinho. Logo se dá conta de que é a véspera do dia dos namorados e fica desconcertado com o assunto. Após subir para o seu apartamento, veste pijamas novos, toma um remédio e adormece. A van fica parada em frente ao prédio e, quando as luzes do apartamento se apagam, os dois homens que a ocupavam entram nele com uma parafernália tecnológica. A cena é cortada para o momento em que Joel chega ao prédio e conversa com o vizinho. Mas, desta vez, este fica com os contornos desfocados e sua fisionomia já não é mais bem visível. Em seguida, a cena é cortada para uma casa de amigos de Joel, onde ele lhes conta como foi rejeitado por Clementine − que fingiu que não o conhecia, quando ele foi visitá-la na livraria em que trabalhava – sendo revelado ainda que se está há três dias do dia dos namorados.

            Neste momento, é possível compreender melhor o jogo proposto por Gondry. As sequências no dia dos namorados e na véspera e na antevéspera desta data indicam que o filme está sendo contado de trás pra frente. O corte na história para a entrada dos créditos também é um indício da quebra da ordem natural dos fatos. Outros elementos reforçam a sensação de estranheza: o menino que aborda Joel no carro e lhe oferece ajuda é, na verdade, Patrick (personagem de Elijah Wood), que, nas cenas seguintes, aparecerá na van e entrará no apartamento de Joel, acompanhado por Stan (personagem de Mark Ruffalo). A narrativa fragmentada e a falta de uma ordem aparente são, características da cultura pós-moderna que ganham visualidade no filme.

 

 

5

 

            Nas sequências seguintes, Joel conversa com o casal de amigos, Carrie (personagem de Jane Adams) e Rob (personagem de David Cross), que lhe dão um papel onde se lê que Clementine Kruczynski apagou de sua memória Joel Barish. O nome de Clementine some do papel, o que é um indício de que estamos no interior de sua memória e que tudo o que se relaciona a ela está sendo apagado.

            Joel vai até a clínica que realizou o procedimento pedir esclarecimentos. Vemos, então, novamente Stan, agora vestido como médico. O dono da clínica, Dr. Mierzwiak (personagem de Tom Wilkinson), explica que Clementine estava se sentindo infeliz e queria seguir em frente. Joel decide então também apagá-la de sua memória, recolhe tudo o que remete a ela e leva ao doutor, que lhe explica o procedimento a ser tomado, sendo as memórias apagadas, aos poucos, da mais recente para a mais antiga. Primeiramente, serão mapeadas em seu cérebro e, mais tarde, Stan irá em sua casa apagá-las. Enquanto os procedimentos são feitos na clínica, Joel ouve vozes, sendo a cena cortada depois para o seu quarto, onde se encontra dormindo. Stan e Patrick – os homens da van – estão, nesse momento, realizando o procedimento que apagará suas memórias de Clementine. A cena retorna para a clínica e Joel se vê duas vezes, como se observasse o procedimento. Neste momento, ele próprio se dá conta de que está em suas memórias.

 

Fotograma de Eternal sunshine...

 

            Daqui por diante, a estratégia narrativa de Gondry se torna ainda mais explícita. A trama passa se dar no interior da mente de Joel e nos é revelado o que, de fato, aconteceu entre ele e Clementine para que chegasse ao ponto de decidir apagá-la de sua memória. Também não faltam referências aos relacionamentos pessoais e a como o  tecnicismo e o consumismo estão agindo sobre eles: na clínica, por exemplo, é comentado que os dias que antecedem o dia dos namorados são os mais atarefados de todos. Por um lado, vê-se os clientes, na sala de espera, portando objetos ligados àqueles que querem apagar de suas memórias; pelo outro, os médicos, sempre bem dispostos e simpáticos, brincam uns com os outros. Nas cenas no quarto de Joel, enquanto realizam a tarefa de apagamento de suas memórias, Stan e Patrick comem e bebem. Mary (personagem de Kirsten Dunst) chega no meio da noite, junta-se ao grupo que dança e se diverte enquanto fazem seu trabalho. A atitude displicente dos funcionários da clínica chegar a beirar o caricato: enquanto os clientes sofrem com  relacionamentos que querem esquecer, eles ganham dinheiro à custa destes e acham tudo muito divertido.

            Ainda nessa cena, Patrick conta a Stan que tem uma namorada e que ela é Clementine. Inicialmente, Stan censura Patrick, porém, em seguida, os dois riem e se divertem com a situação. Posteriormente, o espectador entende como esse relacionamento começou. Patrick − um rapaz tímido com dificuldades de se relacionar com o sexo oposto − conhece Clementine quando ela vai à clínica apagar as lembranças de Joel e se acabando se apaixonando por ela. Quando Joel aparece por lá para fazer o mesmo, ele se aproveita da situação para roubar seus objetos pessoais, passando depois a usar as suas lembranças para conquistá-la. O plano funciona até que ela começa a se incomodar ao ser confrontada com a reprodução de situações que havia vivido com Joel porque, de alguma forma, ainda as reconhece.

            A partir daí, quando o relacionamento com Patrick começa a não dar certo, duas constatações podem ser feitas: em primeiro lugar, que não existe uma “receita de bolo” para se conquistar alguém nem para que os relacionamentos sejam perfeitos e, em segundo lugar, que embora as memórias de Clementine tenham sido apagadas, seu sentimento por Joel persistiu e o esquecimento acabou sendo para ela mais doloroso que suas próprias lembranças.

 

 

6

 

            O filme retorna ao quarto de Joel, durante o apagamento de suas memórias. Este revê todos os seus momentos com Clementine e inicia uma avaliação de seu relacionamento com ela. Após reviver todos os momentos bons e ruins do casal, ele descobre que não deseja mais que as lembranças sejam apagadas. Tentando fugir da máquina que as apaga, ambos correm para lembranças onde ela, originalmente, não estava − como a infância dele, onde ele poderão, então, se esconder.

            Aqui são abertas boas possibilidades para Gondry trabalhar o seu gosto pela exploração do visual e do lúdico. Há cenas em que a perspectiva é forçada, com objetos sendo superdimensionados para que Joel possa pareça menor, vestido e com o comportamento de uma criança. Além de reforçar os traços do personagem Joel, esse recurso de Gondry permite que Jim Carrey, veterano ator de comédias, faça com o público se divirta um pouco.

 

Fotograma de Eternal sunshine...

 

            A estratégia do passeio pela memória de Joel se mostra realmente interessante e Gondry nos transmite uma mensagem de otimismo, pois, apesar da raiva que sente pela atitude de Clementine, Joel decide não fazer o mesmo. O filme também investe, um pouco mais incisivamente, na ação através da fuga de ambos do processo de esquecimento, em que efeitos especiais são obtidos somente com o uso da câmera – outra marca por excelência do diretor.

            Nas suas últimas memórias, Joel lembra quando, depois do primeiro encontro com Clementine, a encontrou na livraria. Na ocasião, Clementine diz “sou apenas uma garota ferrada à procura da paz de espírito, não me encarregue da sua”, acreditando que os homens vêem nela uma espécie de conceito, e que os completa e os fará ser livres – talvez em razão de sua aparência. Na última memória, na praia onde se conheceram, Joel reconsidera suas atitudes, o que ocorreria se tivesse feito tudo de outra maneira e, ao final, quando as memórias estão acabadas, Clementine pede que ele a encontre em Montauk. O desejo súbito de Joel de ir à praia é a referência final ao início do filme e, ao mesmo tempo, o final do filme que se passa no plano das memórias.

            Paralelamente, no quarto de Joel, uma segunda história é contada. Após a fuga do dois para o interior da memória deste último, a máquina não consegue mais funcionar direito. Dr. Mierzwiak (personagem de Tom Wilkinson) é chamado, então, à casa para resolver o problema. Para impressioná-lo, Mary recorre a frases de autores famosos – neste momento, o espectador é informado sobre a origem do título do filme, na verdade, um verso do poeta inglês Alexander Pope (1688-1944)[1] − e acaba revelando sua paixão por ele. Mais adiante, ela saberá que já se apaixonara por ele outra vez, e que também teve suas memórias apagadas. Revoltada, pega os arquivos de todos que já passaram pelo processo e os envia a seus donos originais, que agora saberão o que, realmente, aconteceu. A cena volta ao quarto, com a tarefa dos médicos enfim inviabilizada.

            Joel acorda e a sequência é a mesma que inicia o filme, ou seja, à história de como veio a (re)conhecer Clementine. Ambos recebem as fitas enviadas por Mary e, depois de ouvi-las, Clementine diz que ele é chato, pergunta se isso é motivo suficiente para apagá-lo, diz que se sente irritada todo o tempo e que mudou desde que o conheceu. Ele reclama que ela é mal-educada, que não sabe quem é, que é insegura e pensa que só consegue ser amada pelas pessoas se fizer sexo com elas. Fica claro que o que mais os irrita é justo aquilo que não são, mas gostariam de ser, embora isso não chegue a ser, explicitamente, assumido. 

            Depois do mal estar, eles, por um momento, se separam, mas depois conversam e se propõem a recomeçar. Joel diz que não há nada nela que ele não goste, mas ela rebate que haverá, e se sentirá presa e entediada, porque é assim que ela é. O último momento de otimismo do filme se dá quando Joel aceita esse destino, bem como Clementine. A cena seguinte mostra o casal na praia, brincando na neve sobre a areia, e ela é repetida três vezes. Uma dica, talvez, de que a mesma história tenha se repetido o tempo todo.

 

 

Referências bibliográficas

 

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BAUMAN, Z. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

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ROMERO, F. delosS. “El artificio estético de un soñador: Michel Gondry”. Internet,

http://fama2.us.es/fco/frame/new_portal/textos/num3/Elartificioesteticodeunsonadorgondry.pdf.

 

 

Sobre os autores:

 

Carolina Muller Machado, Nathalia Barros Lepsch e Rafael de Vasconcelos são graduandos em Desenho Industrial na Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

 

Jorge Lucio de Campos – Pós-Doutor em Comunicação e Cultura (História dos Sistemas de Pensamento) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor da Graduação em Desenho Industrial e do Programa de Pós-graduação (Mestrado) em Design da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).



[1] Retirado do poema Abelard to Heloise (1717): How happy is the blameless vestal's lot! / The world forgetting, by the world forgot. / Eternal sunshine of the spotless mind! / Each pray'r accepted, and each wish resign'd. (“Feliz é a inocente vestal / Esquecendo o mundo pelo mundo esquecida. / Brilho eterno de uma mente sem lembrança! / Toda prece é ouvida, toda graça se alcança”).


Sincronía Winter 2011