A
fragilidade dos relacionamentos no cinema de
Michel Gondry: Algumas notas sobre Eternal sunshine
of the
spotless mind
Carolina
Muller Machado
Nathalia
Barros Lepsch
Rafael
de Vasconcelos
Jorge Lucio de Campos
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
“As
seres
Hannah Arendt
1
Um
número cada vez mais significativo de filmes nos têm proporcionado a
chance de
refletirmos sobre nossas atuais condições de vida, crescentemente
marcadas pelo
imediatismo das ações compulsivas, pela efemeridade generalizada das
relações
humanas, por uma intervenção invasiva dos meios de comunicação em nossa
intimidade e por uma necessidade cotidiana ─ “docemente” imposta pelo
código ─ de, a todo custo, produzirmos e crescermos, antes individual
que
coletivamente. Alguns deles exploram facetas muito sutis da
contemporaneidade, de
modo a instigar que busquemos, para suas mensagens, leituras
divergentes das propostas
pelo mainstream, sendo que a
linguagem que utilizam já não é aquela com a qual, por décadas
seguidas, nos
acostumamos, a priori comprometida com um desenvolvimento padronizado e
linear,
e uma resolução necessariamente bem resolvida.
Considerando
a ocorrência, nos anos setenta e oitenta, de uma suposta “virada”
pós-moderna, Jean-François
Lyotard (1924-98) sustentou em seu La
condition postmoderne (1979), ter sido um de seus traços marcantes
a
desconstrução da função narrativa, que perdeu seus “grandes heróis,
grandes
perigos, grandes périplos e o grande objetivo”, diante da constatação
de que a
fonte de todas as fontes passou a ser a informação e não mais a
ciência-em-nome-dela-mesma
– vista agora apenas como um novo “modo de estocar, organizar e
distribuir
informações (...), um conjunto de mensagens possível de ser traduzido
em
quantidades (bits) de informação”. Assim aquela função − até então,
legitimadora
da própria prática epistêmica − perdeu importância, dispersando-se numa
“nuvens
de elementos linguísticos narrativos, prescritivos, descritivos, etc.,
cada qual
veiculando consigo validades pragmáticas sui
generis”.
Lyotard
sustentou ainda que as relações sociais poderiam ser explicadas pela
teoria dos
jogos de linguagem trabalhada, num
primeiro momento, pelo filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein
(1889-1951) que,
em suas Philosophische Untersuchungen
(“Investigações filosóficas”) − publicada, postumamente, em 1953 −
assim
designava diversos tipos de enunciados (descritivos, denotativos,
prescritivos,
etc.), por sua vez, determinados por regras especificadoras de suas
propriedades de uso, a fim de viabilizar a interação entre emissores e
destinatários.
Tais
regras se tornariam válidas dentro de espaços de atuação definidos
pelos próprios
interlocutores, passando os jogos a servirem como alternativas locais
às metanarrativas
universalizantes, sendo que, em alguns destes, elas seriam
estabelecidas mais
livremente como, por exemplo, no cinema, o que explicaria, ao menos em
parte, o
fato de determinados filmes estarem assumindo, mesmo que veladamente,
uma série
de questionamentos acerca do establishment.
Não
se deve também esquecer o quanto o cinema é um canal ágil e abrangente
que atenderia
às necessidades pós-modernas de rapidez e imediatismo, mesmo quando se
proponha
a criticá-las. Isso torna uma boa parte de suas produções vendável e
lucrativa
para as companhias que as financiam – em geral, independentes e
detentoras de
um orçamento acanhado para circuitos não prioritariamente comerciais.
Entretanto,
nos últimos anos, grandes companhias cinematográficas têm aberto espaço
estes,
o que talvez se deva à percepção da existência de um mercado em
expansão –
pequeno, porém lucrativo − formado por pessoas que, no mínimo,
discordam
com o que está acontecendo à sua volta e buscam, de algum modo, pensar
e agir a
respeito.
Porém,
a liberdade nas regras de linguagem daqueles filmes acaba, por vezes,
entrando
em conflito com um público mais acostumado aos blockbusters.
Uma vez que exigem uma maior participação do
espectador para serem assimilados, amiúde as regras da narrativa não
são tão claramente
fixadas, e a sensação de se estar diante de filme “sem pé nem cabeça”
contribui
para afastar aqueles que, se sentindo mal por não conseguir
“entendê-lo”.
Desse
modo, filmes de questionamento – como os dirigidos por Michel Gondry,
entre
outros − acabam se tornando vendáveis (e, portanto, viáveis em termos
de
produção) apenas quando atendem requisitos básicos do cinema
hollywoodiano como
ter em seu elenco atores famosos (ou em evidência), ser falado em
inglês – caso
de Abre los ojos (1997), do chileno Alejandro
Almenábar, tornado mais palatável para grandes audiências na versão
estadunidense Vanilla sky (2001), de
Cameron Crowe – ou se valer de estratégias que embora intelectualmente
estimulantes, também sirvam para a fruição pura e simples.
2
Possuidor
de um estilo inconfundível – que se utiliza, fartamente, de
planos-sequências,
truques direto na câmera (sem efeitos especiais) com uma ousada
criatividade – Gondry
(n. 1963) iniciou sua carreira dirigindo videoclipes nos quais tratava
o ritmo
e a sonoridade musicais como referências diretas para a composição
visual, ao mesmo
tempo em que se utilizava de cores e elementos lúdicos para atrair a
atenção do
público.
Suas
imagens, por vezes enigmáticas, questionam a própria percepção da
realidade, buscando
fazer com que os efeitos especiais aconteçam sempre diante das câmeras
e usando
o mínimo possível de recursos digitais na pós-produção. Os planos
revertidos,
as projeções e sobreposições, a quebra da narrativa e as repetições são
também características
fortes de seu trabalho.
Após
estrear no cinema com Human nature (2001),
Gondry dirigiu Eternal sunshine of the
spotless mind (2004), La science des rêves
(2005) e Be kind, rewind (2008), filmes
que, até certo ponto, funcionaram como válvulas de escape pessoal –
caso,
particularmente, de Eternal sunshine..., até
agora o mais bem sucedido de todos e que, como ele próprio admitiu, lhe
forneceu
subsídios valiosos para lidar com seus problemas pessoais. As questões
dos
relacionamentos, da necessidade de inserção na sociedade de consumo e
da sensação
de efemeridade da vida são também recorrentes neste último, que inova
na maneira
como conta sua história, dando pistas para que o espectador possa
entendê-la,
ao mesmo tempo que o convida a se posicionar em relação a ela.
Cartaz
de Eternal sunshine in spotless mind (2004).
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A
trama de Eternal sunshine... se
inicia com Joel Barish (o personagem de Jim Carey), em pleno dia dos
namorados.
As primeiras cenas fornecem algumas pistas que serão mais bem
explicadas no
final do filme. Uma delas ocorre quando, ao encontrar o seu carro
amassado – e pressupondo
que o carro estacionado ao lado foi responsável pelo estrago − apenas
escreve a palavra “obrigado!” num pedaço de papel que deixa em seu
para-brisa.
Chateado,
Joel decide, meio que abruptamente, ir para Montauk, uma praia que, em
fevereiro, fica quase congelada. Arrependido, pensa sobre si mesmo e
sobre a
data, que classifica como mais uma invenção capitalista para fazer as
pessoas
se sentirem lixo. Apesar disso, parece se sentir mal por estar sozinho.
Ao
avistar uma moça na praia, igualmente sozinha, ele se martiriza por não
conseguir não fazer nem mesmo um contato visual com ela. Então, se
senta e
começa a fazer desenhos num caderno que se revelará depois ser de
anotações e
desenhos no qual tenta expressa seus sentimentos.
Nesta
primeira sequência, o espectador consegue ter uma boa ideia do perfil
psicológico de Joel, um homem pacífico e um tanto passivo, dado a
poucos atos impulsivos
e possuidor de uma vontade clara de se sentir incluído na sociedade,
mesmo sabendo
das motivações eminentemente consumistas que a movem. Quando recorre
por
telefone, em sua solidão na praia, às suas ex-namoradas demonstra ter
medo em
relação à vida, preferindo a segurança a qualquer risco.
Esse
medo é um característica marcante da sociedade atual, que se recolhe,
cada vez
mais, em pequenos apartamentos, casas muradas e condomínios fechados
para não
ter que interagir com alguém de carne e osso. Diante da preferência
pela “socialização”
artificial oferecida pelos shoppings, nos fins de semana, ou por
aquela, mais “segura”
e cômoda, viabilizada, no dia a dia, pelo ciberespaço, há quem diga –
caso do
sociólogo polonês Zygmunt Bauman (n. 1925) – que os relacionamentos
virtuais
alcançaram um nível tal de abrangência e indeterminação que não se
pode, de
forma alguma, considerá-los, inofensivos.
Após
encontrar a moça, outras vezes, em Montauk, eles, enfim, se conhecem. É
Clementine
Kruczynski (personagem de Kate Winslet) quem toma a iniciativa de
conversar com
Joel no trem quando voltam para casa. Ambos interagem, embora ele tente
apenas “ser
legal” e ela fale sem parar. Se, por um lado, ele não sabe como se
comportar, pelo
outro, ela bem sabe como gostaria que ele se comportasse.
Fotograma de Eternal sunshine...
Na
chegada à estação, Joel oferece uma carona a Clementine e acaba indo
até a casa
dela, um tanto bagunçada e entulhada de objetos incomuns. Enquanto
dialogam, ele
diz sua vida pouco interessante. Ela pergunta se ele não se sente
ansioso com
isso, a exemplo dela, que não sabe se está aproveitando cada minuto do
seu
curto tempo de vida como deveria e ele responde afirmativamente. Ela
começa a fazer
planos e ele, sentindo-se um pouco pressionado, decide ir embora. Na
saída, ela
pede que ligue quando chegar e lhe deseje um feliz dia dos namorados.
4
A
partir daí, a personalidade de Clementine é apresentada, mais
detalhadamente,
ao espectador. Com cabelos azuis e usando um casaco laranja, a casa
desordenada
e com bonecos de batata sobre a cômoda, ela uma pessoa um tanto
exótica, ansiosa,
impulsiva e expansiva. Mais adiante, será possível concluir, olhando os
desenhos contidos no caderno de Joel, que ela é como que uma imagem do
interior
deste.
Neste
trecho do filme, Gondry enfatiza a indecisão como um traço psicológico
característico
dos dois personagens. Na supracitada cena do trem, Clementine reclama
por ser
chamada de “legal” por Joel, e por ele admitir que está tentando ser
legal com
ela. Pergunta se ele não conhece nenhum outro adjetivo, alegando que
não quer
ser legal com ninguém nem que ninguém seja legal com ela. Logo se
arrepende do
modo como falou e diz que não sabe o que vai quere, mais à frente, da
vida, mas
que, naquele momento, ela quer, sim, que ele seja legal com ela.
Gondry
oferece aqui uma boa amostra da sua expertise em termos de linguagem
cinematográfica. Como foi dito antes, duas de suas marcas registradas −
também presente nos clipes que dirigiu – são a ênfase na composição
visual e a
quebra na narrativa. Na sequência da visita ao rio Charles, então
congelado,
Joel é abordado por um garoto, que embora não conheça, lhe oferece
ajuda.
Recusada a ajuda, este vai embora, a cena escurece e retorna com a
imagem de Joel,
na mesma posição, chorando.
Passados
uns vinte minutos, os créditos do filme, começam a ser exibidos. Joel
dirige, chega
em casa, percebe que está sendo seguido por uma van e conversa com um
vizinho. Logo
se dá conta de que é a véspera do dia dos namorados e fica
desconcertado com o
assunto. Após subir para o seu apartamento, veste pijamas novos, toma
um
remédio e adormece. A van fica parada em frente ao prédio e, quando as
luzes do
apartamento se apagam, os dois homens que a ocupavam entram nele com
uma
parafernália tecnológica. A cena é cortada para o momento em que Joel
chega ao
prédio e conversa com o vizinho. Mas, desta vez, este fica com os
contornos
desfocados e sua fisionomia já não é mais bem visível. Em seguida, a
cena é
cortada para uma casa de amigos de Joel, onde ele lhes conta como foi
rejeitado
por Clementine − que fingiu que não o conhecia, quando ele foi
visitá-la
na livraria em que trabalhava – sendo revelado ainda que se está há
três dias
do dia dos namorados.
Neste
momento, é possível compreender melhor o jogo proposto por Gondry. As
sequências
no dia dos namorados e na véspera e na antevéspera desta data indicam
que o
filme está sendo contado de trás pra frente. O corte na história para a
entrada
dos créditos também é um indício da quebra da ordem natural dos fatos.
Outros
elementos reforçam a sensação de estranheza: o menino que aborda Joel
no carro
e lhe oferece ajuda é, na verdade, Patrick (personagem de Elijah Wood),
que,
nas cenas seguintes, aparecerá na van e entrará no apartamento de Joel,
acompanhado
por Stan (personagem de Mark Ruffalo). A narrativa fragmentada e a
falta de uma
ordem aparente são, características da cultura pós-moderna que ganham
visualidade no filme.
5
Nas
sequências seguintes, Joel conversa com o casal de amigos, Carrie
(personagem
de Jane Adams) e Rob (personagem de David Cross), que lhe dão um papel
onde se
lê que Clementine Kruczynski apagou de sua memória Joel Barish. O nome
de Clementine
some do papel, o que é um indício de que estamos no interior de sua
memória e que
tudo o que se relaciona a ela está sendo apagado.
Joel
vai até a clínica que realizou o procedimento pedir esclarecimentos.
Vemos,
então, novamente Stan, agora vestido como médico. O dono da clínica,
Dr.
Mierzwiak (personagem de Tom Wilkinson), explica que Clementine estava
se
sentindo infeliz e queria seguir em frente. Joel decide então também
apagá-la
de sua memória, recolhe tudo o que remete a ela e leva ao doutor, que
lhe explica
o procedimento a ser tomado, sendo as memórias apagadas, aos poucos, da
mais
recente para a mais antiga. Primeiramente, serão mapeadas em seu
cérebro e, mais
tarde, Stan irá em sua casa apagá-las. Enquanto os procedimentos são
feitos na
clínica, Joel ouve vozes, sendo a cena cortada depois para o seu
quarto, onde se
encontra dormindo. Stan e Patrick – os homens da van – estão, nesse
momento,
realizando o procedimento que apagará suas memórias de Clementine. A
cena retorna
para a clínica e Joel se vê duas vezes, como se observasse o
procedimento.
Neste momento, ele próprio se dá conta de que está em suas memórias.
Fotograma de Eternal sunshine...
Daqui
por diante, a estratégia narrativa de Gondry se torna ainda mais
explícita. A
trama passa se dar no interior da mente de Joel e nos é revelado o que,
de
fato, aconteceu entre ele e Clementine para que chegasse ao ponto de
decidir apagá-la
de sua memória. Também não faltam referências aos relacionamentos
pessoais e a como
o tecnicismo e o consumismo estão agindo
sobre eles: na clínica, por exemplo, é comentado que os dias que
antecedem o
dia dos namorados são os mais atarefados de todos. Por um lado, vê-se
os
clientes, na sala de espera, portando objetos ligados àqueles que
querem apagar
de suas memórias; pelo outro, os médicos, sempre bem dispostos e
simpáticos, brincam
uns com os outros. Nas cenas no quarto de Joel, enquanto realizam a
tarefa de
apagamento de suas memórias, Stan e Patrick comem e bebem. Mary
(personagem de
Kirsten Dunst) chega no meio da noite, junta-se ao grupo que dança e se
diverte
enquanto fazem seu trabalho. A atitude displicente dos funcionários da
clínica
chegar a beirar o caricato: enquanto os clientes sofrem com relacionamentos que querem esquecer, eles
ganham dinheiro à custa destes e acham tudo muito divertido.
Ainda
nessa cena, Patrick conta a Stan que tem uma namorada e que ela é
Clementine. Inicialmente,
Stan censura Patrick, porém, em seguida, os dois riem e se divertem com
a
situação. Posteriormente, o espectador entende como esse relacionamento
começou.
Patrick − um rapaz tímido com dificuldades de se relacionar com o sexo
oposto − conhece Clementine quando ela vai à clínica apagar as
lembranças
de Joel e se acabando se apaixonando por ela. Quando Joel aparece por
lá para fazer
o mesmo, ele se aproveita da situação para roubar seus objetos
pessoais, passando
depois a usar as suas lembranças para conquistá-la. O plano funciona
até que ela
começa a se incomodar ao ser confrontada com a reprodução de situações
que
havia vivido com Joel porque, de alguma forma, ainda as reconhece.
A
partir daí, quando o relacionamento com Patrick começa a não dar certo,
duas constatações
podem ser feitas: em primeiro lugar, que não existe uma “receita de
bolo” para se
conquistar alguém nem para que os relacionamentos sejam perfeitos e, em
segundo
lugar, que embora as memórias de Clementine tenham sido apagadas, seu
sentimento
por Joel persistiu e o esquecimento acabou sendo para ela mais doloroso
que suas
próprias lembranças.
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O
filme retorna ao quarto de Joel, durante o apagamento de suas memórias.
Este
revê todos os seus momentos com Clementine e inicia uma avaliação de
seu
relacionamento com ela. Após reviver todos os momentos bons e ruins do
casal,
ele descobre que não deseja mais que as lembranças sejam apagadas.
Tentando
fugir da máquina que as apaga, ambos correm para lembranças onde ela,
originalmente, não estava − como a infância dele, onde ele poderão,
então,
se esconder.
Aqui
são abertas boas possibilidades para Gondry trabalhar o seu gosto pela
exploração do visual e do lúdico. Há cenas em que a perspectiva é
forçada, com
objetos sendo superdimensionados para que Joel possa pareça menor,
vestido e
com o comportamento de uma criança. Além de reforçar os traços do
personagem
Joel, esse recurso de Gondry permite que Jim Carrey, veterano ator de
comédias,
faça com o público se divirta um pouco.
Fotograma de Eternal sunshine...
A
estratégia do passeio pela memória de Joel se mostra realmente
interessante e Gondry
nos transmite uma mensagem de otimismo, pois, apesar da raiva que sente
pela
atitude de Clementine, Joel decide não fazer o mesmo. O filme também
investe,
um pouco mais incisivamente, na ação através da fuga de ambos do
processo de esquecimento,
em que efeitos especiais são obtidos somente com o uso da câmera –
outra marca por
excelência do diretor.
Nas
suas últimas memórias, Joel lembra quando, depois do primeiro encontro
com Clementine,
a encontrou na livraria. Na ocasião, Clementine diz “sou apenas uma
garota
ferrada à procura da paz de espírito, não me encarregue da sua”,
acreditando
que os homens vêem nela uma espécie de conceito, e que os completa e os
fará
ser livres – talvez em razão de sua aparência. Na última memória, na
praia onde
se conheceram, Joel reconsidera suas atitudes, o que ocorreria se
tivesse feito
tudo de outra maneira e, ao final, quando as memórias estão acabadas,
Clementine pede que ele a encontre em Montauk. O desejo súbito de Joel
de ir à
praia é a referência final ao início do filme e, ao mesmo tempo, o
final do
filme que se passa no plano das memórias.
Paralelamente,
no quarto de Joel, uma segunda história é contada. Após a fuga do dois
para o
interior da memória deste último, a máquina não consegue mais funcionar
direito.
Dr. Mierzwiak (personagem de Tom Wilkinson) é chamado, então, à casa
para
resolver o problema. Para impressioná-lo, Mary recorre a frases de
autores
famosos – neste momento, o espectador é informado sobre a origem do
título do
filme, na verdade, um verso do poeta inglês Alexander Pope (1688-1944)[1]
− e acaba revelando sua paixão por ele. Mais adiante, ela saberá que já
se apaixonara por ele outra vez, e que também teve suas memórias
apagadas.
Revoltada, pega os arquivos de todos que já passaram pelo processo e os
envia a
seus donos originais, que agora saberão o que, realmente, aconteceu. A
cena
volta ao quarto, com a tarefa dos médicos enfim inviabilizada.
Joel
acorda e a sequência é a mesma que inicia o filme, ou seja, à história
de como veio
a (re)conhecer Clementine. Ambos recebem as fitas enviadas por Mary e,
depois
de ouvi-las, Clementine diz que ele é chato, pergunta se isso é motivo
suficiente para apagá-lo, diz que se sente irritada todo o tempo e que
mudou
desde que o conheceu. Ele reclama que ela é mal-educada, que não sabe
quem é,
que é insegura e pensa que só consegue ser amada pelas pessoas se fizer
sexo
com elas. Fica claro que o que mais os irrita é justo aquilo que não
são, mas
gostariam de ser, embora isso não chegue a ser, explicitamente,
assumido.
Depois
do mal estar, eles, por um momento, se separam, mas depois conversam e
se
propõem a recomeçar. Joel diz que não há nada nela que ele não goste,
mas ela
rebate que haverá, e se sentirá presa e entediada, porque é assim que
ela é. O
último momento de otimismo do filme se dá quando Joel aceita esse
destino, bem
como Clementine. A cena seguinte mostra o casal na praia, brincando na
neve
sobre a areia, e ela é repetida três vezes. Uma dica, talvez, de que a
mesma
história tenha se repetido o tempo todo.
Referências
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Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
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ROMERO, F. de
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S.
“El artificio estético de un soñador: Michel Gondry”. Internet,
http://fama2.us.es/fco/frame/new_portal/textos/num3/Elartificioesteticodeunsonadorgondry.pdf.
Sobre
os autores:
Carolina
Muller Machado, Nathalia Barros Lepsch e Rafael de Vasconcelos são graduandos
em Desenho Industrial na Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI)
da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Jorge
Lucio de Campos – Pós-Doutor em Comunicação e
Cultura (História dos Sistemas de Pensamento) pela Universidade Federal
do Rio
de Janeiro. Professor da Graduação em Desenho Industrial e do Programa
de
Pós-graduação (Mestrado) em Design da Escola Superior de Desenho
Industrial
(ESDI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
[1] Retirado
do poema Abelard to Heloise (1717): How happy is the
blameless vestal's lot! / The world forgetting, by the world forgot. /
Eternal
sunshine of the spotless mind! / Each pray'r accepted, and each wish
resign'd. (“Feliz é a
inocente vestal / Esquecendo o mundo pelo mundo esquecida. / Brilho
eterno de
uma mente sem lembrança! / Toda prece é ouvida, toda graça se alcança”).