MEMORIAL DO CONVENTO: O PASSADO REVISITADO
Profa. Dra. Shirley Carreira
UFRJ- Unigranrio
Toda metaficção historiográfica tem por característica ser auto-reflexiva e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, ela se apropria de acontecimentos e personagens históricos. Muitos críticos relutam em considerar MC como metaficção historiográfica por julgarem a auto-reflexividade inexistente, ainda que não neguem ser o tratamento dado à história pertinente ao gênero.
Há que considerar, no entanto, que a auto-reflexividade na metaficção historiográfica, segundo a própria Linda Hutcheon, que cunhou o termo, dá-se de maneiras diversas, daí o exame que faz de uma variedade extensa de obras na poética do pós-modernismo, as quais revelam sua auto-reflexividade sob uma gama bastante variada de artifícios narrativos. Sendo o gênero estritamente ligado à uma estética pós-moderna, que Hutcheon alega distanciar-se de todas as forças que levam à construção do paradigma, seria contraditório tentar estabelecer um padrão para a manifestação dessa auto-reflexividade.
A análise que propomos parte da premissa de que MC é uma metaficção historiográfica e tentaremos destacar os diversos níveis em que essa categorização se revela.
Sem dúvida alguma , MC tem o passado como referente, mais especificamente o reinado de D. João V, que juntamente com a guerra da sucessão pelo trono da Espanha e as perseguições da Santa Inquisição, forma o background sobre o qual o texto de Saramago é construído. No entanto , é importante ressaltar que o romance histórico tem características diferentes da metaficção-historiográfica.
No romance historico , a história e a ficcão convivem na intenção do resgate do passado e a presença de personagens históricas tem por intuito legitimar ou autenticar o mundo ficcional.
Hutcheon afirma, por sua vez, que a metaficção historiografica instaura e posteriormente subverte os conceitos que desafia. Sob esse ponto de vista MC está longe de ser um romance histórico. Os dados que ele toma por empréstimo à história de Portugal instauram uma relação espácio-temporal necessária à posterior subversão que o texto promove, proporcionando uma releitura crítica desse passado histórico oficial, ao mesmo tempo que desafia o leitor a repensar o presente à luz desse redimensionamento do passado.
Seja como metaficção historiográfica, seja como história palimpsesta, conforme Celeste Varella classifica MC com base na teoria de Christine Brooke-Rose acerca das narrativas modernas e pós-modernas, importa-nos observar que essencialmente a história de Portugal que é oferecida em MC é contada por um ponto de vista outro que não o da historiografia.
Com a Nova História, não só a veracidade dos referentes históricos tem sido contestada , como também tem-se buscado deslocar o olhar que conta a história do alto, do ponto de vista de quem exerce o poder, para a ótica do subalterno, do subjugado por esse mesmo poder.
Ao preencher as lacunas da história oficial com a ficção e a magia, o autor cria uma leitura alternativa desse passado, dentre tantas que poderiam ser apresentadas como verdadeiras.
Daí a afirmação de Teresa Cristina Cerdeira da Silva , ao dizer que a linha que separa a história da ficção é tênue. Todas as estórias são perseguidas pelos fantasmas das histórias que poderiam ter sido.
O background histórico sobre o qual o romance se assenta, embora instaurado no texto, já se desfaz a partir do título do romance. O que se apresenta como memorial do convento de Mafra é na realidade o memorial da vida do homem comum, subjugado pelas demonstrações de poder hegemônico da nobreza e do clero.
A abertura do romance dá a entender que tem por finalidade informar ao leitor o dado que, historicamente, vem a ser desencadeador da construção do convento: a infertilidade da rainha. No entanto, essa mesma passagem do texto detém o mesmo tom irônico e prosaico que o narrador usará ao longo do romance ao referir-se à nobreza e ao clero.
D.João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto
de sua mulher, dona Maria Ana Josefa, que chegou há mais
de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e
até hoje não emprenhou. Já se murmura na corte, dentro e fora
do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca,
insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras e
que só entre íntimos se confia. Quer caiba a culpa ao rei, nem
pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens,
das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e
segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque
abundam no reino bastardos da real semente e ainda agora
a procissão vai na praça. MC, 9
É com o mesmo tom que descreve a montagem metódica que D. João faz da miniatura da Basílica de São Pedro de Roma, a qual tem uma função metonímica no texto ainda que parodicamente invertida. Tido pelos historiadores oficiais como o rei que construiu o convento de Mafra, o narrador esforça-se para demonstrar que o único monastério que D. João V foi capaz de erigir foi a miniatura da basílica, a qual diz ser "quase tão grande como deus" ( p.9).
Desde o século XVII os franciscanos tentavam arrecadar fundos para a construção de um convento na vila de Mafra. A oportunidade vem quando, após três anos de espera infrutífera, o rei aceita a sugestão de Frei Antônio e decide mandar construir o convento caso Deus permita que lhe nasça um herdeiro.
Perguntou el-rei. É verdade o que acaba de dizer-me Sua Eminência, que se eu prometer levantar um convento em Mafra terei filhos, e o frade respondeu, Verdade é, senhor porém só se o convento for franciscano, e tornou el-rei, Como sabeis, e frei António disse, Sei, não sei como vim a saber, eu sou apenas a boca de que a verdade se serve para falar, a fé não tem mais que responder, construa Vossa Majestade o convento e terá brevemente sucessão, não o construa e Deus decidirá. MC,11
Com o nascimento da infanta D. Maria Bárbara em quatro de dezembro de 1711 , a primeira dos cinco filhos que o casal viria a ter, o rei decidiu cumprir a promessa e nesse mesmo ano foi lançada a pedra fundamental no Alto da Vela, numa cerimônia caríssima , que custou cerca de oitenta contos de ouro.
O projeto inicial foi modificado inúmeras vezes e ao fim comportava um convento para trezentos religiosos(eram treze de início), uma basílica, que ficou desproporcional em relação ao restante do conjunto, que era muito maior, e o palácio real somando cerca de mil e trezentas dependências.
Teresa Cristina Cerdeira da Silva lembra bem, em sua análise do MC, que essa construção constituía um sonho pessoal do monarca e não um sonho coletivo, como foi o caso de outras construções grandiosas, como o Mosteiro da Batalha. Para realizar seu sonho o rei não poupou esforços nem meios.
Aquela era uma época áurea para Portugal. O ouro que vinha do Brasil entre outras coisas enchia os cofres da coroa. Ao mesmo tempo, como lembra José Hermano Saraiva, o que sobrava à nobreza em altivez, faltava em cultura e tradição nas artes. Tanto que para executar a obra foram trazidos arquitetos e artífices estrangeiros. A obra, iniciada em 1717 durou até 1750. O rei exigiu que a basílica fosse sagrada no dia do seu aniversário, em vinte e dois de outubro de 1730, e para que a obra fosse concluída a tempo, foram apanhados à força todos os homens em condições para o trabalho, somando quarenta e cinco mil trabalhadores e sete mil soldados para fazê-los trabalhar.
Um outro dado importante para a dinâmica do romance é a Guerra de Sucessão pelo trono espanhol. É nela que Baltasar perde a mão esquerda, sendo por isso dispensado do exército. Foi acima de tudo uma guerra mercantilista entre potências econômicas pela primazia comercial nas colônias ultramarinas. A ausência de herdeiros detonou a guerra em 1704 e durou oito anos. De um lado a Inglaterra, a Holanda, a Alemanha e Portugal, apoiando o arquiduque Carlos, filho do imperador Leopoldo da Alemanha, do outro os franceses e os espanhóis que tinham a garantia legal de um testamento que dava a Felipe, neto de Luís XIV, o trono vago.
Por fim , o último referente histórico é a própria Inquisição. Ela instalou-se em Portugal a pedido de D. João III, sob a alegação de que os judeus ameaçavam a fé cristã. No entanto, o que havia de fato era um interesse por parte do rei em aumentar os bens da coroa através dos bens confiscados aos judeus condenados.
Em 1531, D. João III pediu ao papa a licença necessária para
a organização da Inquisição em Portugal. Os cristãos-novos
mobilizaram toda a sua força económica para o impedir,
afirmando que o que se pretendia era apenas espoliá-los. Existe
muita documentação sobre essa luta diplomática e a sua leitura
obriga a dar razão aos Judeus: a questão do confisco das
fortunas teve papel fundamental.
SARAIVA, J.H. História Concisa de Portugal, 182
Além das heresias, a Inquisição também perseguia a bigamia, a homossexualidade e a magia, tendo muitos inocentes sido supliciados devido à acusação de bruxaria.
O auto-de-fé tinha um papel importante , pois seu objetivo não era reconciliar o pecador com Deus , mas manter acesa a chama do seu crime através da humilhação pública e a confiscação dos bens. As penas variavam do açoite e a prisão perpétua até o degredo, o garrote e a fogueira. Os autos-de-fé eram cerimonias com requintes grandiosos, geralmente compostos por uma procissão, pela leitura das sentenças e , finalmente, os suplícios.
Paralelamente, como nos lembra Teresa Cristina Cerdeira da Silva, as festas religiosas davam vazão aos desejos recalcados do povo, promovendo uma euforia coletiva. Aqueles eram uns dos poucos momentos em que as diferenças sociais deixavam de ser importantes. Disso o narrador dá conta ao referir-se à Quaresma :
Mas esta cidade, mais que todas, é uma boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro, não havendo portanto mediano termo(...) Porém, a Quaresma, como o sol, quando nasce, é para todos. MC,25
Na procissão semi-orgíaca da Quaresma o êxtase religioso e o erótico confundem-se e excedem-se. Ao mesmo tempo, é através da descrição das festas religiosas que o narrador relata a hipocrisia, a luxúria e a libertinagem na qual o clero secular e regular vivia em Portugal. Como a vida religiosa oferecia certos privilégios, muitos ingressavam nela por interesses outros que não a vocação e não se furtavam aos apelos da carne, fazendo da vida eclesiástica o extremo oposto do que a fé cristã pregava.
Esse background histórico se faz necessário para que se entenda o MC não só como o memorial dos oprimidos, mas também como um romance cuja mola principal é a trangressão.
1 O CÂNONE E AS TRANSGRESSÕES
Pode-se, de maneira geral, dizer que, em MC, as trangressões ocorrem tanto no nível do enunciado quanto no nível da enunciação, os quais examinaremos separadamente.
Sempre que instaura um fato histórico que será posteriormente subvertido, o narrador empresta ao texto um tom altamente irônico, ainda que fundamentado nos vestígios textuais do passado histórico.
Linda Hutcheon, na Poética do pós-modernismo, afirma que só conhecemos o passado através de seus textos e que a veracidade desses textos pode ser contestada à medida que se constata ser o passado textual narrado pela ótica das classes dominantes.
2.1 A trangressão do poder
As narrativas históricas que têm como tema o passado de Portugal detêm a ótica da classe detentora do poder. MC , enquanto metaficção historiográfica, desconstrói magistralmente esta convenção.
Vejamos, por exemplo, como o texto relata o absurdo do aprisionamento dos homens do povo a fim de concretizar o sonho do rei:
Deve-se a construção do convento de Mafra ao rei D.
João V, por um voto que fez se lhe nascesse um filho,
vão aqui seiscentos homens que não fizeram filho
nenhum à rainha e eles é que pagam o voto, que se
lixam, com o perdão da anacrônica voz. MC, 224
(...) em todos os lugares aonde pôde chegar a justiça de
Sua Majestade, os homens, atados como reses, folgados
apenas quanto bastasse para não se atropelarem, viam as
mulheres e os filhos implorando o corregedor,
procurando subornar os quadrilheiros com alguns ovos,
uma galinha, míseros expedientes que de nada serviam ,
pois a moeda com que el-rei de Portugal cobra os seus
tributos é o ouro, é a esmeralda, é o diamante, é a
pimenta, a canela, é o marfim e o tabaco, é o açúcar e a
sucupira, lágrimas não correm na alfândega. MC, 254
O tom irônico e prosaico instaura a paródia do passado porque inverte uma leitura ideológica, comprometida com o poder. A postura irreverente do narrador dessacraliza o culto ao passado glorioso de Portugal, na figura de el-rei D.João V.
Ao narrar a história sob uma ótica diversa da oficial, o narrador desloca o poder para as mãos dos homens comuns, os quais, ainda que obrigados a erigir uma obra com a qual não têm envolvimento algum, são os que detêm o poder de transformação do real. As relações do homem com trabalho têm um espaço privilegiado em MC. Como bem observa Teresa Cristina Cerdeira da Silva, há instâncias em que "a ação é irmã do sonho", representado metaforicamente na construção da passarola, e há outras em que "a ação se aliena do sonho", no caso da construção do convento. O rei que passou à história como "edificador" nunca experimentou essa dicotomia da ação/ construção.
A concretização do vôo metonimicamente corresponde à transgressão do poder institucionalizado em favor do poder transformador do sonho do homem comum, que, a par de todas as impossibilidades aparentes- no caso de Baltasar, a sua suposta incapacidade física- concretiza seus desejos , simbolicamente expressos nas "vontades" que Blimunda recolhe.
Celeste Varella, em sua análise de MC, afirma que Blimunda é o instrumento da representação do poder natural do humano, subordinado ao desejo do romancista de passar suas convicções através da metáfora da vontade, que remete à questão do poder não instituído, por oposição ao poder detido pelo rei.
É o recolhimento dessas vontades, que podem ser vistas por Blimunda como nuvens fechadas, que permitem à trindade terrena- Bartolomeu, Blimunda e Baltasar- vencer a condição de subalternidade.
1.2 A transgressão religiosa
A simbologia dessa trindade, composta pelas três personagens, transgride outro código: o religioso. Tanto que à unidade que formam junta-se um quarto elemento, o músico Domenico Scarlatti, passando do três, como número divino, ao quatro, que é o símbolo da totalidade e imagem da terra.
S e por um lado o romance revela a transitoriedade desse poder do homem comum, uma vez que o convento fez suas vítimas durante a construção e Baltasar não escapa ao suplício ao fim do romance, MC é, nas palavras de Celeste Varella, " a metáfora da esperança de libertação dos grilhões da cultura imposta pelos regimes autoritários", cumprindo, assim, o seu papel.
O sonho de voar constitui, também, uma transgressão religiosa . O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão(1685-1724) , também conhecido como "padre voador", apresentou ao rei de Portugal, em 1709, uma petição na qual dava conta de ter inventado um aparelho voador. O rei parece ter se interessado pelo invento, pois ele diminuiria as distâncias e poderia, até mesmo, facilitar o transporte de produtos ultramarinos. As notícias sobre os seus experimentos sejam imprecisas e contraditórias e o verbete do Dicionário de História de Portugal não só discute a forma do objeto, como também considera que a história do vôo do padre seria uma lenda.
De concreto, fica-nos apenas o registro de que o padre Bartolomeu foi um grande orador sacro, só comparável, na época, ao Padre Vieira e que , devido às difamações e intrigas, foi obrigado a fugir para a Espanha, onde acaba por morrer, tendo enlouquecido.
Um exemplo de como o romance preenche as lacunas da história é a maneira pela qual o padre convence Baltasar a ajudá-lo. Ele utiliza o texto bíblico no seu discurso de convencimento.
Queres tu vir ajudar-me, perguntou. Baltasar deu um
passo atrás, estupefato, Eu não sei nada, sou um
homem do campo, mais do que isso só me ensinaram
a matar, e assim como me acho, sem esta mão, Com
essa mão e esse gancho podes fazer tudo quanto
quiseres, e há coisas que um gancho faz melhor que a
mão completa, um gancho não sente dores se tiver de
segurar um arame ou um ferro, nem se corta, nem se
queima, e eu te digo que maneta é Deus, e fez o
universo. Baltasar recuou assustado, persignou-se
rapidamente, como para não dar tempo ao Diabo de
concluir as suas obras, Que está a dizer, padre
Bartolomeu Lourenço, onde é que se escreveu que
Deus é maneta, Ninguém escreveu; não está escrito,
só eu digo que Deus não tem a mão esquerda,
porque é à sua direita, `a sua mão direita, que se
sentam os eleitos, não se fala nunca da mão
esquerda de Deus (...) à esquerda de Deus não se
senta ninguém , é o vazio, o nada, a ausência,
portanto deus é maneta. MC, 59
Todo esse discurso, aliado à semelhança da passarola com uma ave, foram suficientes para convencer Baltasar.
Se a idéia de voar sobre terras de navegantes já era uma transgressão em relação ao imaginário existente em relação às viagens marítimas do século XVI, era, igualmente, uma transgressão aos cânones do cristianismo, expressa nas palavras do próprio Baltasar: "só os pássaros voam".
Baltasar crê no que pode ver e naquilo que a Igreja defende. Seu saber é restrito à fé na experiência da vida. Os referentes religiosos que se instauram a princípio , como no episódio da promessa de um coração de cera a São Bento pelo prazer de uma inglesa loura, de olhos verdes, são, aos poucos, desfeitos, à medida que o sonho cresce e a vontade aumenta.
O padre receia a Inquisição, mas Baltasar inebria-se com a construção da máquina e é como um herói às avessas de uma epopéia anônima que ele conquista sua identidade; como o navegante que descobre, dos ares, sua própria terra, sem precisar idolatrar os mitos nacionais, o passado glorioso que, no seu presente, não tem a menor importância.
Para Baltasar o vôo tem uma simbologia particular, corresponde ao sonho de ser inteiro novamente.
Significativamente é a transgressão religiosa, no caso a de Sebastiana Maria de Jesus, que une as três personagens no auto-de-fé, assim como é pela perseguição da Inquisição que a passarola alça vôo levando-os à Mafra e é um auto-de-fé que reune Baltasar e Blimunda novamente no Rossio, quando é supliciado.
Ao conceder o foco narrativo à Sebastiana Maria de Jesus, num discurso silencioso permeado de olhares que substituem o diálogo impossível entre mãe e filha, o romance dá-lhe o destaque merecido. É através dela que se configura o maravilhoso, na sua capacidade de comunicação muda e no tom profético com o qual antecipa, sem que o leitor se dê conta, a morte de Baltasar.
(...) vou ver Blimunda, vou vê-la , ai, ali está, viu, e não
pode falar, tem de fingir que me não conhece ou me
despreza, mãe feiticeira e marrana ainda que apenas um
quarto, já me viu, e ao lado dela está o padre Bartolomeu
Lourenço, não fales Blimunda, olha so, olha com esses
teus olhos que tudo são capazes de ver, e aquele homem
quem será, tão alto, que está perto de Blimunda e não
sabe, ai nõa sabe não, quem é ele, donde vem, que vai
ser deles, poder meu(...) MC, 46
A vidência de Blimunda, que a herdara da mãe, tem relação direta não só com a dessacralização do poder real como também com os mistérios sobre os quais a fé cristã se sustenta. Ao perguntar a Bartolomeu por que Blimunda come pão antes de abrir os olhos de manhã, Baltasar obtém a seguinte resposta: "Só te direi que é um grande mistério, voar é uma simples coisa comparando com Blimunda"(p.56)
Blimunda é herética não por ser filha de judia, ou, como diz Teresa Cristina C. da Silva, por ter costela de cristã-nova, mas porque cria para si valores novos que subvertem a estreiteza do seu tempo. Tem a função primordial de porta-voz do narrador. É através dela que ele exterioriza a sua descrença nos santos, que foram incapazes de salvarem a si mesmos, a sua descrença no pecado e a sua crença no resgate pela palavra.
E quando vamos para debaixo da terra, e quando
Francisco Marques fica esmagado sob o carro de
pedra, não será isso morte sem recurso, Se estamos
falando dele, nasce Franscico Marques, Mas ele não
sabe, Tal como nós não sabemos bastante quem
somos, e, apesar disso, estamos vivos, Blimunda,
onde foi que aprendeste essas coisas, Estive de olhos
abertos na barriga da minha mãe, de lá via tudo.
MC, 289
O olhar ao longo da obra de Saramago tem-se revelado como leitmotif, assim como o desdobramento do olhar e ver. Em MC, o olhar de Blimunda é a alegoria criada para falar da visão de um mundo corrompido pelos desmandos e a ganância dos que obtêm o poder.
A corrupção da Igreja como instituição, a Lisboa suja , fisicamente e moralmente, revelam-se como a imagem real de uma sociedade e de uma época que a história oficial vê, ou melhor retrata, sob uma ótica diferente.
É através dessa vidência, que se repete no discurso, que a lacuna histórica é preenchida. Nos piolhos que Blimunda cata nos cabelos de Baltasar, na sujeira e no lixo do Entrudo, nos cães leprosos, nos percevejos e no mau cheiro de Lisboa há mais que o retrato não-poético de uma época; há o lodo da estratificação social e seus valores de aparência.
Agora é tempo de pagar os cometidos excessos,
mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se,
ele rebelde, ele insurrecto, este corpo parco e porco da
pocilga que é Lisboa. MC, 26
Assim maltratadas as carnes, alimentadas de magro,
parece que se haveriam de recolher as insatisfações até
à libertação pascal e que as solicitações da natureza
poderiam esperar que se limpassem as sombras do rosto
da Santa Madre Igreja, agora que se aproximam Paixão
e Morte. Mas talvez que a riqueza fosfórica do peixe
atice o sangue(...) e então, cuidando os homens, ou
fingindo cuidar, que as mulheres não fazem mais que as
devoções a que disseram ir, é a mulher livre uma vez no
ano, e se não vai sozinha por não o consentir a decência
pública, quem a acompanha leva iguais desejos e igual
necessidade de satisfazê-los, por isso a mulher, entre
duas igrejas, foi a encontrar-se com um homem, qual
seja, e a criada que a guarda troca uma cumplicidade por
outra, e ambas, quando se reencontram diante do próxi-
mo altar, sabem que a Quaresma não existe e o mundo
está felizmente louco desde que nasceu. MC, 28
2. 3 A transgressão moral
A transgressão religiosa implica também a transgressão moral, como vimos, e é em Blimunda que tem a sua expressão maior.
O século XVIII , historicamente posterior ao advento da Contra-Reforma, revela uma sociedade reprimida pelas normas de um código moral ditado pela Igreja e pelo Estado, introjetando essas normas de comportamento, legitimando interditos, interiorizando proibições.
A pompa, a falta de sensualidade com a qual o narrador descreve o intercurso sexual entre o rei e a rainha é hilariante na sua ironia e ao mesmo tempo retrata a repressão da Igreja e a fundamentação dos dogmas no modelo da família.
Entraram com el-rei dois camaristas que o aliviaram das
roupas supérfluas, e o mesmo faz a marquesa à rainha,
de mulher para mulher, com a ajuda doutra dama, condes-
sa, mais uma camareira-mor não menos graduada que
veio da Áustria, está o quarto uma assembléia, as majes-
tades fazem mútuas vênias, nunca mais acaba o cerimoni-
al, enfim lá se retiram os camaristas por uma porta, as
damas por outra, e nas antecâmaras ficarão esperando que
termine a função, para que regresse el-rei acompanhado ao
seu quarto , que foi da rainha sua mãe no tempo de seu
pai, e venham as damas a este aconchegar dona Maria Ana
debaixo do cobertor de penas que trouxe da Áustria tam-
bém e sem o qual não pode dormir, seja inverno ou verão.
E é por causa deste cobertor, sufocante até no frio feve-
reiro que Dom João V não passa toda a noite com a
rainha, ao princípio sim, por ainda superar a novidade ao
incômodo, que não era pequeno sentir-se banhado em
suores próprios e alheios, com uma rainha tapada por
cima da cabeça, recozendo cheiros e secreções. MC, 12
O casal real relaciona-se segundo o modelo moral- o dever do cio para a procriação- e não é à toa que o narrador usa o verbo "emprenhar" ao invés de "engravidar".
O vocabulário rude contém a crítica do narrador contemporâneo. É ele que dá ciência ao leitor de que o rei cumpre rigorosamente duas vezes por semana o seu dever conjugal e à rainha cabe o papel de "cântaro à espera da fonte", o que não impede o rei de ter inúmeros bastardos, de copular com as freiras, nem tampouco impede D. Maria Ana , a quem compete o peso de ser virtuosa, de ter sonhos eróticos com o cunhado.
Como de hábito, o narrador instaura primeiro o cânone para depois subvertê-lo. Se é com ironia que ele trata o casal real, que a abertura do romance enganosamente leva a crer que será protagonista do romance, por outro lado, o narrador trata com extrema seriedade as personagens genuinamente ficcionais- Baltasar e Blimunda.
A "cristianíssima retenção moral" concede líquidos escassos à rainha e "pródigos" ao rei, dando ênfase à passividade da mulher na relação sexual, que se configura microcosmo de todas as demais relações sociais, políticas e culturais. Ao casal plebeu, no entanto, e talvez por já estar mesmo à margem da sociedade, nada é negado, nem o prazer das visão dos corpos nus, nem o êxtase ou a paixão.
Enquanto a rainha ergue a sua volta o cobertor imenso que trouxe da Áustria "enroscada como toupeira que encontrou pedra pelo caminho"(p.13) e segue juntamente com o marido um verdadeiro ritual antes de irem para o leito, cobertos de roupas até o pescoço, sua mente está longe, personificando o desejo insatisfeito na imagem do cunhado.
E até mesmo desse pequeno prazer será privada, quando, ao ficar o rei doente, o cunhado quebra o encantamento da fantasia ao verbalizá-la explicitamente.
Ora essa, que conversa tão imprópria de cunhados, el-rei ain-
da está vivo e, pelo poder das minhas preces, se Deus mas
ouve, não morrerá, para maior glória do reino, tanto mais que
para a conta dos seis filhos que está escrito terei dele, ainda
faltam três. Porém, Vossa majestade sonha comigo quase
todas as noites, que eu bem no sei, É verdade que sonho, são
fraquezas de mulher guardadas no meu coração. E que nem
ao confessor confesso, mas, pelos vistos, vêm ao rosto os so-
nhos, se assim mos adivinham, Então, morrendo meu irmão,
casamos, Se esse for o interesse do reino, e se daí não vier
ofensa a Deus nem dano à minha honra, casaremos, Prouvera
que ele morra, que eu quero ser rei e dormir com Vossa
Majestade, já estou farto de ser infante, Farta estou eu de ser
rainha e não posso ser outra coisa, assim como assim, vou
rezando para que se salve o meu marido, não vá ser pior outro
que venha,(...) Adoeceu tão gravemente el-rei, morreu o sonho
de dona Maria Ana, depois el-rei sarará, mas os sonhos da
rainha não ressucitarão. MC, 102
Observe-se na passagem acima, como a personagem antecipa ao leitor acontecimentos futuros- os filhos que ainda haveria de ter- como se dotada de onisciência. Na verdade, é o narrador que lhe empresta essa instância de flashforward, que tem por objetivo esclarecer o leitor , assim como é uma das muitas maneiras pela quais o discurso dá ciência da contemporaneidade do narrador.
A relação entre Baltasar e Blimunda, em comparação com o casal real, é fundamentalmente transgressora: à guisa de casamento, o que os uniu foi o simbolismo de uma colher compartilhada e a atração de Eros.
(...) e apesar de o padre ter acabado primeiro de comer,
esperou que Baltasar terminasse para se servir da colher dele,
era como se calada estivesse respondendo a outra pergunta,
Aceitas para a tua boca a colher de que se serviu a boca deste
homem, fazendo seu o que era teu, agora tornando a ser teu o
que foi dele, e tantas vezes que se perca o sentido do teu e do
meu(...) MC, 49
O cobertor e a colher simbolicamente marcam o cânone e a transgressão: a colher é o símbolo da aliança, da complementaridade e o cobertor é o símbolo da separação e ambos marcam a oposição entre o casamento de conveniência da monarquia e a união espontânea, regida pelo amor e pela paixão.
A vidência de Blimunda , que faz com que ela reconheça de imediato em Baltasar o homem com quem compartilhará uma história de vida, tem ainda papel preponderante em um outro tipo de transgressão, que se revela um dos grandes desafios do romance: a dos códigos da ficção e do discurso.
1.3 A transgressão do discurso
Quando Blimunda diz a Baltasar que pode olhar por dentro, ela acende tanto na personagem quanto no leitor empírico a ânsia por desvendar esse mistério. No dia em que prometera provar a Baltasar o seu Dom, Blimunda não dormira e permanecera quieta pensando que aquele era o "dia de ver, não de olhar". A dicotomia do ver e do olhar instaura-se aí numa amplitude que se estende à totalidade do romance e antecipa o seu desenvolvimento em romances posteriores.
(...) porque este é o dia de ver, não o de olhar, que esse pouco é o
que fazem os que, olhos tendo, são outra qualidade de cegos.
MC, 70
O ato de ver por dentro não é privilégio de Blimunda; o narrador finge estar em um auto-de-fé, fingindo, assim, que tudo vê, reinscrito no passado, vencendo as distâncias impostas pelo tempo.
A vidência de Blimunda veicula o ceticismo do próprio autor ante os dogmas do Cristianismo. Ao comungar sem antes ter comido pão, Blimunda vê na hóstia uma nuvem fechada, idêntica a que vê em todos os seres humanos , e questiona a divindade de Deus e a
sua existência.
A dicotomia ver/ olhar corresponde, no nível do discurso, a uma fratura entre a escrita e a oralidade, na medida em que a escrita - que tem por referente a história documentada, e, por tabela, o poder institucionalizado- dá voz à oralidade , pois é através da voz dos silenciados na História oficial que esse memorial se faz construir, com a linguagem do povo,do subalterno, dos inúmeros Baltasares que fizeram a história que os registros não contam.O desafio do texto é este: a consciência de uma escritura operacionalizada com a oralidade dos que não possuem uma retórica erudita.
A transgressão ao nível do discurso está situada tanto na desvinculação da enganosa proposta do título de escrever o memorial do convento, isto é, do ponto de vista dos detentores do poder, quanto na linguagem com a qual escreve esse memorial dos verdadeiros construtores do convento, metonimicamente representados por Baltasar.
Desta maneira, o narrador transgride também o tempo presente dos fatos narrados, uma vez que ousa desnudar o que a historiografia glorificadora da política ultramarina encobre: um Portugal presente que ainda vive das glórias do passado; glórias estas que, assim como a exaltação a D.João V como rei magnânimo e edificador, foram construídas à custa de um registro pela ótica das classes dominantes, que não dá conta da exploração do povo e da miséria em que este vivia, em oposição ao fausto da corte.
É claro que o autor empírico denuncia-se na voz do narrador, na sua crítica aos governos autoritários que não se interessam em instaurar uma política econômica de combate à pobreza, que diminua as já extensas diferenças sociais.
O fluxo verbal incontido faz dos fragmentos de informação a respeito dos costumes de época, da religião vigente e da História de Portugal um turbilhão envolvido pelo juízo de valor emitido pelo narrador intruso, que sempre se revela no plural. Quando emerge do texto a narrativa de primeira pessoa , geralmente há um compartilhamento com as emoções do povo, sendo esse o foco da narrativa.
A ação do narrador conduz o fio de uma meada que ajuda a construir o leitor-modelo do texto. Quando se põe no lugar de espectador dos eventos, o narrador diz o contrário do que pensa. O discurso permeia-se do sagrado e do profano, pois aos olhos do povo, a reverência a Deus está atrelada ao fausto, que faz com que saia às ruas para admirar a passagem da procissão e o preparo das festas religiosas. O narrador dá ciência ao leitor, por um viés invertido, de sua leitura contemporânea desse passado histórico, simulando ter conhecimento dele como se a ele pertencesse, assimilando fisicamente as sensações e as emoções de quem viveu a época.
Ao adotar a escrita barroca, que insinua a fusão do sagrado e do profano, o narrador faz a crítica de uma religião cujo discurso é pleno em misticismo e cujo Deus só se revela na riqueza e no esplendor.
A frase "eu posso olhar por dentro que Saramago põe na boca de Blimunda revela a capacidade do narrador contemporâneo de poder olhar por dentro da história oficial do século XVIII, vendo-as com os olhos e a bagagem de vida do século XX.
O foco da narrativa é deslocado ao longo do texto. Começa com o narrador, travestido de cronista histórico, passa por Sebastiana Maria de Jesus, retornando ao narrador, já com uma focalização homodiegética, e por aí vai, ora dando vez ao autor-implícito , sob a forma de narrador intruso, ora dando voz a este ou aquele personagem. Na maioria das vezes o fio condutor do texto é Baltasar, que é substituído por João Elvas quando aquele desaparece, até que se dá o desfecho do romance. Há alternâncias no texto que obrigam o leitor a transitar entre os vestígios da história oficial a respeito da construção do convento, da família real e a história fantástica inventada em torno da construção da passarola, que se desenvolve por dentro da primeira.
2 O MEMORIAL DOS SILENCIADOS
Quando, nesse processo de ver por dentro, o narrador declara explicitamente que já que é impossível falar da vida de cada um dos que se envolveram na construção do convento, ao menos devemos deixar os seus nomes escritos, assim diz:
(...) tudo quanto é nome de homem vai aqui, tudo quanto é vi-
da também, sobretudo se atribulada, principalmente se
miserável, já que não podemos falar-lhes das vidas, por tantas
serem, ao menos deixemos os nomes escritos, é essa a nossa
obrigação , só para isso escrevemos, torná-los imortais, pois aí
ficam, se de nós dependem(...) MC, 211
É importante ressaltar que a temática remete ao último romance de Saramago, Todos os nomes, onde se desenvolve em sua plenitude.
O que o narrador deseja é escrever o memorial dos portugueses anônimos e para isso recorre à fala de Blimunda que, como já vimos, diz que enunciar o nome de alguém , lembrar essa pessoa, é uma forma de conceder-lhe novamente a vida.
Assim é que , ao final, quando Blimunda se defronta com o seu homem sendo supliciado no Rossio, após procurá-lo por toda parte, durante nove anos; o corpo sucumbindo ao poder secular, ela impede que o sonho de Baltasar de sentir-se novamente inteiro- conquistado com o vôo da passarola- se desfaça nas chamas da fogueira. É quando ela quebra a promessa que havia feito à Baltasar, de nunca vê-lo por dentro. Ao fazê-lo, vê uma nuvem negra, conforme havia visto na hóstia. Não permite que a vontade de Baltasar suba às estrelas. Firmemente chama : vem. Quando a vontade de Baltasar se desprende do corpo é para o de Blimunda que vai, não para o céu.
Através desse último ato de Blimunda, Saramago nega a eternidade, a existência do espírito e todos os demais dogmas do cristianismo, afirmando que a vontade transformadora do homem, personificada em Blimunda, pertence à terra e aqui fica.
3 CONCLUSÃO
Memorial do convento contém temáticas e estratégias que têm sido retomadas ao longo da produção literária de Saramago. Essa intratextualidade tem ajudado o leitor e os críticos a compreender o universo ficcional desse autor , cuja escrita singular o alçou ao prêmio Nobel de Literatura de 1999.
Para muitos , dentre os quais Teresa Cristina Cerdeira da Silva, MC constitui uma parte de uma proposta do autor de revisitar a história de Portugal. No entanto, a recorrência de temas em seus diversos romances, parece- me apontar em outra direção também: o de propor ao homem um novo aprendizado do real, que passa pela aprendizagem da visão.
Como guia pelos labirintos de sua escrita e dessa aprendizagem do real , creio que vale a pena citar a epígrafe ao Ensaio sobre a cegueira: " Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara".
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